Mediação e Direito Fraterno

O presente artigo tem como objetivo o estudo da Mediação e Direito Fraterno como o elemento que possibilita a realização adequada aos conflitos. Desta forma, o Direito Fraterno visto como aquele que abandona o conflito dotado de características negativas, resguardando os Direitos Humanos, perante uma sociedade como a brasileira respaldada por ser decisivamente pautada no embate, “no querer combater”. O tema apresenta uma nova alternativa, como a Lei de Mediação para a solução e negociação dos litígios, salientando as consequências positivas dessa nova alternativa a resolução quanto ao tratamento de conflitos sociais, bem como os aspectos positivos aos benefícios gerados com a solução pacífica e harmônica das lides.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inicialmente, ao se debruçar sobre o capítulo, deve-se compreender que a proposta fraterna é o alicerce teórico da mediação e das demais formas alternativas de resolução de conflitos sociais, pois
[…] insere uma cota de complexidade no primado do justo sobre o bom, procurando “alimentar de paixões quentes o clima rígido das relações”. Sem esquecer que a ela está necessariamente atrelada a ideia de amizade, na medida em que prevê a “comunhão de destinos derivada do nascimento e independente das diferenças”. (GHISlENI; SPENGLER, 2011, p.24)
Ab initio, o tema que se propõe procura compreender as divergências de um tempo efêmero, caracterizado pela necessidade de se apresentar uma nova opção para a solução dos conflitos a partir de uma ótica não beligerante. De tal modo, percorre-se a necessidade de um direito inserido na complexidade da modernidade. (HORITA, 2015, p.346). Fonseca e Rangel (2017) afirmam que o sistema processual brasileiro, culturalmente, fundamenta-se na cultura adversarial,
[…] na necessidade de promoção da ideologia ganhador-perdedor. Assim, os limites do processo são delineados, na prática, como um campo de enfrentamento entre os envolvidos, buscando-se, a todo momento, a descaracterização do outro. Neste passo, o processo tradicional se torna um instrumento de desgaste, sobretudo no que toca à seara emocional, quando há relações continuadas entre os envolvidos. Denota-se, em um primeiro momento, que o processo, da forma como adotado no ordenamento jurídico, é mecanismo de insatisfação, porquanto o pronunciamento emanado pelo terceiro imparcial, Estado-juiz, é incapaz de abarcar a realidade peculiar de cada situação posta à apreciação. Diante de tal cenário, impõe-se uma nova perspectiva processual, qual seja: a adoção do diálogo e da mediação como instrumentos capazes de conduzir, de maneira amadurecida e empoderada, os envolvidos no conflito. (FONSECA; RANGEL, 2017, s.p.)
Destaca-se, aqui, que a função da mediação baseia na construção de um ambiente harmônico e de resgate de uma relação que se apresenta frágil na atual sociedade, pelo motivo de na maioria dos casos possuir inexistência do diálogo, da escuta e do olhar atento para o outro, ou para aquele que está no outro pólo da relação conflituosa. Assim, a escuta atenta e o diálogo deve ser tida como efetiva para a manutenção do vínculo entre os sujeitos, de modo a desempenhar a autonomia das relações (SOUZA; HERINGER, 2015, p.4). Logo,
[…] somente as pessoas que se sentem verdadeiramente escutadas estarão dispostas a escutar. “Escute” a comunicação não verbal. Observe o movimento corporal do outro. Quem não compreende um olhar também não compreenderá uma longa explicação. Tenha claro que escutar ativamente não é apenas ouvir. É identificar-se, compassivamente, sem julgamentos. É ter em conta o drama do ser humano que está ali com você, e suas legítimas contradições. Escutar, portanto, é, antes de tudo, atitude de reconhecimento; essa necessidade básica de todos nós nas relações interpessoais. Precisamos estar conscientes que é a partir da escuta que se estabelece uma circularidade coevolucionária na comunicação humana (VASCONCELOS, 2008, p. 66).
A capacidade de transformar o diálogo possível é uma das qualidades próprias do mediador, ou seja, no exercício de sua função de condutor entre os sujeitos das relações numa situação de conflito. Contudo, conforme Souza e Heringer (2015, p. 5) resgatar uma cultura do diálogo, uma cultura de humanização do cuidado com o outro, e não somente “com o meu eu, é, também, uma das percepções necessárias para que se reatem as comunicações e que se crie uma nova relação entre os sujeitos, norteada pela fraternidade”.
Sibele Cárdias (s.d., p.1) profere que levando em consideração que o ser humano distingue-se das outras espécies, enquanto um ser racional, pela capacidade de pensamento e pela capacidade de comunicar-se por meio da linguagem e elevando sua ação a níveis mais conscientes que lhe permite estruturar-se simbolicamente e conferir significação a suas ações, pode-se afirmar que o homem se constitui na linguagem e, de certo modo, a linguagem constitui-se então na morada do ser, não obstante,
[…] o homem faz-se pela linguagem, edifica-se enquanto se comunica e fala. Para compreender o mundo, interagir com os demais seres, o ser humano coloca-se em atitude linguística, ou seja, aquela atitude que o conduz a um entendimento, a uma reflexão, mediado pelos atos da fala. Tudo o que se conhece no mundo são significados produzidos pela cultura, que nos é repassada nas interações linguísticas, sejam elas escritas ou faladas. (CÁRDIAS, s.d., p.1-2)
Dessa maneira, a linguagem só existe no diálogo, no intercâmbio vivo daqueles que falam uns como os outros, na abertura e no encontro com o outro. O diálogo, segundo a autora, permite a experiência de aproximação com o outro. Quando se entra em situação de diálogo cria-se uma comunhão, criam-se novos encontros humanos onde prevalece a espontaneidade das perguntas e respostas e o ser humano deixa-se ser e dizer para o outro, enfim revela-se, permitindo a mediação através da linguagem, do diálogo. Em contrapartida, quando há ausência de diálogo, revela-se o autoritarismo nas relações, o que implica em relações verticais seja no âmbito jurídico ou no âmbito relacional. (CÁRDIAS, s.d., p.2)
Feitas as apreciações acerca do diálogo, pontua-se que este perfaz componente efetivo de toda a sociedade que tenha por objetivo levar as pessoas a praticas mais reflexivas e de modo libertador. Pois, segundo Sibele Cárdias (s.d., p.7), a sociedade tem aumentado sua capacidade de manejo e criação instrumental e tecnológica, mas o homem, em contrapartida, vem perdendo a disponibilidade de relacionar-se com os outros e de conviver de forma solidária, predominando o egoísmo nas relações humanas. Resumindo, estas relações baseadas no diálogo parecem ser uma saída, um caminho para a sociedade efetivar vínculos mais fraternos entre os seres humanos, que os possibilitem perpetrar ações mais conscientes e voltadas para o bem coletivo. Afinal,
[…] é urgente se recuperar o sentido humano do diálogo, como práxis social, como condição para que o sujeito se revele, colocando-se no lugar do outro desencadeando todos os laços que o dignificam como capacidade de escuta, de doação, de crítica e de conflito no respeito e reconhecimento das potencialidades dos outros. (CÁRDIAS, s.d., p.7)
Evidencia-se que o mediador não atua diretamente no conflito, mas sim alcançando o consenso entre as partes e de forma plenamente consciente de seus direitos, devendo, para tanto, preponderar pela cultura do diálogo, mecanismo que permite que as partes envolvidas no conflito exponham as causas determinantes de seu surgimento, e a partir do empoderamento dos envolvidos, sobretudo na condição de influenciadores do agravamento do conflito, possam, como dito alhures, alcançar o consenso. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Antunes Neto e Rangel (2016, s.p.) defendem que o conflito é entendido como algo dotado de aspecto negativo, desagregador e, para o Direito, o conflito é capaz de desestabilizar a ordem e a paz social. Neste sentido, de acordo com a tradição, o modelo processual brasileiro se baseou na cultura adversarial e na ideologia ganhador-perdedor, conferindo protagonismo e destaque para o Poder Judiciário e a figura do juiz, na condição de monopolizador de dizer o Direito, interpretar as leis e explicitar aquele que possui, ou não, o direito reivindicado.
Ao considerar o sistema adversarial processual, há uma ideologia consolidada em que os limites das páginas do caderno processual são transformados em verdadeiros campos de batalha, importando apenas o triunfo de uma parte em relação à outra, ou seja, a cultura ganhador-perdedor. Já a mediação, em outro aspecto, se apresenta como prática emancipadora, empoderadora e de corresponsabilização dos envolvidos nos conflitos, ofertando protagonismo aos mediandos, sobretudo na capacidade de gerir os conflitos em que estão inseridos, logo, o consenso, a partir da cultura do diálogo, seria fruto dos interesses dos envolvidos. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Sabe-se que em 2016, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, sendo exaltado por trazer um novo paradigma processual, ultrapassando, conforme os mais entusiastas, a cultura adversarial e fixando o marco colaborativo da cultura do diálogo como “pedra de sustentação”. Neste seguimento,
[…] a codificação processual civil vai, de maneira robusta, instituir a mediação como um prática a ser valorizada no interior forense, sob o argumento, dentre outras ponderações, que tal mecanismo de administração de conflito será capaz de proporcionar uma redução drástica nos processos em tramitação, transformando a cultura da sentença em cultura de pacificação na sociedade, no qual obtém soluções rápidas das disputas, economia de tempo, redução de custos diretos e indiretos na resolução dos conflitos, no desgaste de relacionamentos e diminuição de incertezas quanto aos resultados. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Nesse contexto, ao se inclinar sobre a temática, almeja-se cooperar com as discussões acadêmicas sobre o assunto, tendo como ponto inicial os fatores da atual sociedade que clama por um direito mais fraterno e solidário, para que, assim, seja percebido o cumprimento dos direitos fundamentais entabulados na Constituição Federal de 1988, assim como, restaurar as relações para que não sejam rompidas e garantir uma vida digna ao cidadão.
1. DA DELIMITAÇÃO DO DIREITO FRATERNO: UMA PERSPECIVA DE ELÍGIO RESTA
Cumpre observar, que a fraternidade é o princípio com maior dificuldade de ser concretizado, pois diversas vezes ganha uma conotação religiosa e assistencialista e, dificilmente é observada como categoria jurídica. Logo, percebe-se uma natural complexidade para análise do tema numa perspectiva jurídica. (LOPES, 2011, p. 102 apud HORITA, 2015, p. 353). Para Maia (2014), o Direito Fraterno surge com a urgente necessidade dos indivíduos serem amigos, irmãos, fraternos, ou pelo menos, no mínimo de exercício de humanidade conferidas as relações interpessoais, que, provavelmente culminará com um direito mais justo, conformado em um cenário ético, colocando-se no lugar do outro, ou seja, trabalhando com a empatia antes de julgar e sentenciar. Por fim, cumprir o que está posto nas Constituições e confirmado nas Convenções Internacionais. Não obstante,
[…] a verdade é que se faz necessária uma reavaliação sobre o conceito de soberania do Estado, onde não se possa permitir nem inserir o abuso do Poder Estatal em detrimento dos princípios da dignidade, liberdade e igualdade do ser humano global, presentes, no Brasil, não só na Constituição Federal, mas também na legislação pátria dos outros Países, bem como nos pactos e convenções internacionais. (MAIA, 2014, s.p.)
Costa (2015) diz que o jurista italiano Eligio Resta defende a proposta do Direito Fraterno, não autoritário e com base em uma ideia de amizade. Para ele, a fraternidade não ocupa a mesma posição conferida aos outros ideais da Revolução Francesa, mas se apresenta de forma anacrônica, uma vez que os ideais de igualdade e de liberdade acabaram por ofuscá-la, deixando-a inédita e não resolvida até os dias atuais. Em tempos passados, a fraternidade estaria restrita a um “dispositivo de vaga solidariedade entre as nações”. (COSTA, 2015, p.29)
Entretanto, o Direito Fraterno apontaria para uma necessidade universalista de respeito aos direitos humanos. Tal necessidade poderia configurar uma oportunidade de dar novos tipos de tratamento aos conflitos, partindo-se de propostas diferentes daquelas anteriormente estabelecidas pelo sistema estatal das “pertenças fechadas, governadas por um mecanismo ambíguo que inclui os cidadãos, excluindo todos os outros”. Assim sendo, o Direito Fraterno defendido por Eligio Resta é visto como uma “proposta frágil, que aposta sem impor, que arrisca cada desilusão”. Todavia, não se pode olvidar que se trata de uma mudança de paradigmas no ramo do direito. (COSTA, 2015, p. 29). Segundo Ghisleni e Spengler (2011), ao citar Elígio Resta dizem que o autor defende que
[…] o direito fraterno se sustenta através dos direitos humanos, que se estabeleceram ao longo de toda a história da humanidade e possuem caráter de universalidade, já que são aplicados a todos os cidadãos. Os direitos humanos resultaram, por conseguinte, de vários processos históricos e que ainda hoje sofrem alterações em razão da globalização mundial. Resta assevera que o Direito Fraterno “coincide com o espaço de reflexão ligado ao tema dos Direitos Humanos, com uma consciência a mais: a de que a humanidade é apenas um lugar ‘comum’, somente em cujo interior pode-se pensar o reconhecimento e a tutela”. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25)
Ainda para as autoras supramencionadas, ao discutir sobre os direitos humanos, Elígio Resta assegura que
[…] ao mesmo tempo em que eles somente podem ser ameaçados pela própria humanidade, é graças a esta que entram em vigor; e o direito fraterno pode ser a forma mediante a qual pode crescer um processo de auto responsabilização, desde que o reconhecimento do compartilhamento se libere da rivalidade destrutiva típica do modelo dos irmãos inimigos. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25)
Os direitos humanos podem ser marcados como o direito intrínseco a todo e qualquer indivíduo, visando à proteção e o resguardo da integridade dos cidadãos. O curioso é que os direitos humanos vêm adquirindo cada vez mais solidez com o crescimento da humanidade, possuindo caráter internacional diante da criação de normas de proteção da pessoa humana (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25-26).  A proposta fraterna imposta por Eligio Resta encontra amparo na amizade, que, por outro lado, é contrariada pelas guerras, violência, inimizade e inveja. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.26). De acordo com o mesmo autor:
[…] a guerra é um fenômeno da existência que em sua tragicidade envolve as consciências e representa um sinal visível do desconforto da civilização, que deve ser tornado explícito para que se obtenha algum resultado concreto; e a concretude estimula a liberar o campo dos ordenamentos inúteis e a formular questões precisas sobre os sentimentos humanos. Aduz que a guerra “se autoalimenta e se auto-justifica em um processo circular que não quebra. E basta desviar o olhar para as guerras em ato, para percebê-lo”. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.30)
Conforme alude Ferreira (1986), Sandra Vial (2006, p.122) ao mencionar o autor, considera importante falar sobre a semiologia da palavra fraternidade, para que se possa compreender melhor sobre o assunto. Pois, a palavra se origina do vocábulo latino “frater”, que significa irmão. Igualmente a palavra é considerada substantiva feminina, que exibe três significados: I- parentesco de irmãos; irmandade; II- amor ao próximo, fraternização; e, III- união ou convivência de irmãos, harmonia, paz, concórdia, fraternização. Já para a mesma autora o verbo fraternizar, por outro lado, vem da união entre fraterno + izar, e exibe quatro significados: I- unir com amizade íntima, estreita, fraterna; II- unir-se estreitamente, como entre irmãos; III- aliar-se, unir-se; e, IV- fazer causa comum, compartilhar nas mesmas ideias. O direito fraterno, para Sandra Vial (2006) é um pressuposto que pode ser apresentado como:
[…] um direito jurado conjuntamente entre irmãos, no sentido da palavra latina frater, ou seja, é um direito que não parte da decisão de um soberano (de qualquer espécie), mas é giurato insieme. Ë fundamentalmente um acordo estabelecido entre partes iguais, é um pacto acordado a partir de regras mínimas de convivência. É o oposto do direito paterno, imposto por algum tipo de soberano; porém, adverte Eligio Resta, “La coniunratio dei fratelli non è contro il padre, o un sovrano, un tirano, un nemico, ma è per una convivenza condivisa, libera dalla sovranità e dall’inimicizia. Esso è giurato insieme, ma non è prodotto di una congiura”[1]. (RESTA, 2004, p.148 apud VIAL, 2006, p.122-123)
Outro pressuposto importante que se pode apresentar é que o direito fraterno:
[…] coloca em questionamento a ideia de cidadania, já que esta, muitas vezes, se apresenta como excludente; por isso, o direito fraterno centra suas observações nos direitos humanos, na humanidade como um lugar comum. É um direito não violento, destitui o binômio amigo/inimigo. […] a minimização da violência leva também a uma jurisdição mínima, a um conciliar conjunto, a um mediar com pressupostos de igualdade na diferença, é um direito que pretende incluir e busca uma inclusão sem limitações. Ou seja, o direito fraterno é a aposta na diferença, com relação aos outros códigos já superados pela sua ineficácia, pois estes dizem sempre respeito ao binômio amigo-inimigo, enquanto o direito fraterno propõe sua ruptura. (VIAL, 2006, p.123-124)
Sandra Vial (2006, p.230) defende que nessas pressuposições funda-se o Direito Fraterno, pois, para Resta, ele não é violento; ultrapassa os limites do Estado-nação; é cosmopolita[2]; não pode ser imposto, mas pactuado entre iguais; é um direito que inclui e que não aceita a possibilidade da exclusão.
Para Sandra Vial (2006), diferentemente das demais proposições da Revolução Francesa, a fraternidade foi deixada de lado, foi esquecida e este esquecimento não é sem motivação, já que, falar em fraternidade sugere compartilhar e romper poderes. São esses motivos que fizeram com que o conceito ficasse à margem, como afirma Elígio Resta, que seja “a prima pobre que vem do interior”, ou seja, a prima pobre tem uma riqueza fundada na não violência, no amor, no diálogo, no cosmopolitismo, na amizade, no diálogo entre os diferentes dos mais diferentes lugares do mundo. Ela é, então, “a promessa que faltou na Revolução Iluminista e aparece hoje como uma nova possibilidade, como uma aposta” (VIAL, 2006, p. 132). Desta feita,
O poder jurisdicional do Estado, por sua vez, passa por várias crises em razão da complexidade das relações sociais e seus litígios, que resultam na insuficiência e ineficiência de instrumentos para solucioná-los. Esta forma de solução das lides baseada na função estatal, através do juiz, não é considerada democrática, tendo em vista que é apenas a aplicação das leis positivadas sem a ocorrência da transformação social necessária entre as partes. Os conflitos remetidos ao Judiciário possuem mecanismos complexos e dependem de muitos fatores que não estão regulamentados (SPENGLER, 2011, p.3).
Nesse seguimento, Orsini, Maillart e Santos esclarecem que a fraternidade é uma oportunidade e, quem sabe, a oportunidade de dar respostas às necessidades atuais, uma vez que toda a história se conforma a partir de uma vinculação entre o passado e o futuro, entre o horizonte de expectativas e as experiências que compõem o tempo de permanência do homem na sociedade. (ORSINI; MAILLART; SANTOS, 2015, p.7). Assim sendo, a possibilidade do Direito Fraterno, enquanto nova proposta está justamente na aposta apresentada por Elígio Resta onde proporciona uma nova visão frente às demandas que surgem, pois, o direito tradicionalmente estabelecido não consegue dar respostas adequadas para os desafios postos na sociedade contemporânea. À vista disso,
[…] é preciso repensar o atual modelo de jurisdição objetivando garantir novas formas de solucionar as contendas e procurando sua resolução de forma consensual, solidária, fraterna. A partir de novas alternativas que visam à aproximação das partes, como a mediação, com a confrontação de vontades e interesses entre ambas, facilitando sua comunicação, sem procedimentos adstritos às regras estatais, será possível chegar a uma decisão de forma pacífica, satisfatória e democrática (SPENGLER, 2011, p. 7).
Por fim, segundo Spengler (2011, p.3), as formas alternativas de resolução de conflitos fundamentadas no Direito Fraterno, de maneira especial a mediação, pressupõem
[…] uma convivência baseada na cidadania, direitos humanos, jurisdição mínima, consenso e direito compartilhado. Trata-se de um modelo democrático e não violento que aposta no bem comum. O aumento na utilização de tais métodos se justifica pela necessidade cada vez maior de decisões mais céleres e eficientes, ao contrário do processo judicial, que é lento e custoso (SPENGLER, 2011, p. 3).
Nesse sentido, os fundamentos principais de uma sociedade fraterna, como a amizade e a solidariedade, auxiliam as partes a decidirem em consenso as próprias lides. Abandona-se, em tal contexto, a ideia de vencedor ou perdedor, a qual é substituída por uma decisão conjunta e harmoniosa entre elas, através da abertura de novos caminhos e da reinvenção diária. É oportuno mencionar que não se trata de negação da figura do Estado, até mesmo porque não se exclui a opção da via jurisdicional. (SPENGLER, 2011, p.3). Logo, deve ser observado que a fraternidade não pode ser limitada ao conceito de solidariedade, haja vista que esta somente trilha o caminho para que se possa alcançar a fraternidade. A utilização do conceito de solidariedade, no entanto, competiria a uma pessoa que tem a mesma obrigação legal que a outra e assim ficaria intimamente ligada a ajuda mútua (SALEH, 2014 apud ORSINI; MAILLART; SANTOS, 2015, p.18).
2. FRATERNIDADE, SUPERAÇÃO DA CULTURA ADVERSARIAL E FORTALECIMENTO DA ALTERIDADE PROCESSUAL
É indubitável que nesse tópico pretende-se demonstrar que o individualismo e o assistencialismo característicos da atual sociedade devem ceder lugar a uma nova concepção, ou seja, a fraternidade, esta imbuída de uma preocupação emancipatória, na qual a alteridade insere-se como conteúdo axiológico capaz de proporcionar um sentido de responsabilização pelo outro e de superação da cultura adversarial tradicionalmente empregada nos conflitos. Assim, propõe-se, pois, uma transformação de paradigma, gerido por outro modelo relacional, no qual a alteridade processual se faz presente enquanto elemento qualificador através da mediação e do direito fraterno. (MEDEIROS, s.d., p.1)
Teixeira e Saleh (2016, p.7) ao mencionar Frei Betto (2014) diz que o autor defende que ter alteridade é ser capaz de entender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença, porque, quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. Aqui, compreende-se que o conceito de fraternidade, identidade e alteridade apresentam uma estreita ligação, ou seja,
[…] existe uma relação de reciprocidade. Assim, do mesmo modo que a noção da alteridade constitui-se só a partir de um marcado “eu”, a mera presença do outro diferente de mim possibilita o pensar sobre as condições desta minha identidade. […] o conceito de uma alteridade interior quebra com a visão de grupo homogêneo “nós” e levanta o assunto sobre a construção da identidade por meio da fraternidade. Identidade e diferença andam juntas, uma necessitando da outra para se constituírem. (TEIXEIRA; SALEH, 2016, p.7)
Aquino (2010, p.106) em sua obra defende que os direitos humanos no século XXI passa por dois critérios necessários: a alteridade e a fraternidade. A primeira categoria evidencia o reconhecimento do outro enquanto complemento de compreensão sobre o significado de ser humano. A segunda manifesta fora de si esse pensamento e percebe cada pessoa como irmão. A fraternidade enuncia o “novo” critério político a fim de se integrar a humanidade e suas culturas.
Segundo Carla Gomes (2008), Emmanuel Lévinas tem por objetivo superar a subjetividade centrada na totalidade do ser em si mesmo e apontar uma direção para o fim do fechamento do homem contemporâneo, vencendo o egoísmo do homem individualista,
[…] direcionado para o consumismo e para o modelo competitivo da sociedade atual. Uma vez que as mudanças e as transformações operadas pela ciência e pela técnica não foram capazes de vencer as limitações do homem na contemporaneidade, o que surgiu foi um ser humano que se anuncia absoluto, centro e medida de todas as coisas, alguém sem limites e, naturalmente, individualista, materialista, imediatista e consumista. Esse individualismo desencadeou uma ruptura do homem para com Deus, com a natureza, com o outro, e até mesmo consigo próprio na medida em que se sente desobrigado de rever seus pensamentos, valores e atos. (GOMES, 2008, p.49)
Logo, a proposta de Lévinas é de que o homem moderno saia da totalidade do ser em si mesmo, do fechamento, e se abra à exterioridade, ao outro, rumo ao infinito e à transcendência do outro. Esse ideal de procurar uma saída para o encerramento do ser humano em si mesmo está presente desde os primeiros escritos de Lévinas e perdura durante todo o desenvolvimento de seu pensamento (GOMES, 2008, p.49). Resumindo,
[…] pode-se dizer que a consolidação do pensamento de Emmanuel Lévinas se dá na crítica ao pensamento ocidental, organizado, segundo ele, como uma “egologia”, um retorno no Ser, no próprio Ser em-si-mesmo e que traz em si, o germe da guerra. Tomando o outro por premissa, ele busca fundar no acolhimento desse outro uma fonte da alteridade. (GOMES, 2008, p.47)
Enquanto o ocidente cuidou de tentar compreender as relações do sujeito a partir do ser, Lévinas argumenta que é na própria relação humana, especificamente no outro ser humano com o qual se relaciona, é que a filosofia encontrará a origem da busca de sentido para todas as coisas. (GOMES, 2008, p. 48). Spengler e Spengler Neto (2010) articula que a mediação, como ética da alteridade, reivindica a recuperação do respeito e do reconhecimento da integridade e da totalidade de todos os espaços de privacidade do outro. Melhor dizendo,
[…] um respeito absoluto pelo espaço do outro, e uma ética que repudia o mínimo de movimento invasor. É radicalmente não invasora, não dominadora, não aceitando dominação sequer nos mínimos gestos. As pessoas estão tão impregnadas do espírito e da lógica da dominação que terminam, até sem saber, sendo absolutamente invasoras do espaço alheio. (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010, p.37)
Nota-se, aqui, que, de acordo com as palavras de Miguel Reale (1999), assim como a relação entre o sujeito e o objetivo é o alicerce da Ontognoseologia, a relação de “um eu” com “outro eu” (alteridade) é o alicerce da Ética. “Poder-se-ia dizer que a pessoa é a medida da individualidade, pois quando um indivíduo se coloca perante outro, respeitando-se reciprocamente, ambos se põem como pessoas” (REALE, 1999, p. 279). A partir desse entendimento verifica-se que o agir ético está fundamentalmente impregnado pela noção de alteridade, entendida como: atenção e a preocupação com o outro (alter).
Ainda de acordo com Spengler e Spengler Neto (2010, p.162), sob esse olhar ético, a mudança de lentes ao olhar para os conflitos traz uma nova concepção. A alteridade exige que se encare o outro livremente, fora de lugares pré-determinados. Assim, a barreira a ser rompida incide no fato de sempre tentar reconhecer o outro o situando em relação a “nós”, atribuindo-lhe um conceito a partir daquilo que se julga ser, pois
[…] os sentimentos provocados em nós a partir da imagem do outro são capazes de transformar os pontos de choque que muitas vezes impedem na condução do tratamento da relação conflituosa, representando assim uma forma de reencontro entre as partes e restabelecimento dos vínculos pré-existentes. Nesse sentido, participar de um processo de mediação exige muita sensibilidade das partes para que possam revalorizar o outro no conflito através da alteridade, “sem que exista a preocupação de fazer justiça ou de ajustar o acordo às disposições do direito positivo”. Outrossim, revela-se uma alternativa aos ultrapassados conceitos jurisdicionais extremamente formalistas e no qual os magistrados decidem os conflitos sem sentir as partes, encaixando o conflito num padrão normativo. (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010, p.162)
Todavia, para Spengler e Spengler Neto (2010, p.162), a necessidade de adequação das vias de pacificação à realidade da sociedade, cada vez mais complexa e multifacetária, como forma de contribuir para a consolidação e o fortalecimento da democracia, converge com a proposta da mediação, que possibilita romper o paradigma da cultura adversarial e implementar uma nova cultura que empece a explosão de litigiosidade, quer dizer, uma cultura de paz.
Marlova Jovchelovitch Noleto (2010, p. 10-11) defende que a cultura de paz está particularmente relacionada à prevenção e à resolução não violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em tolerância e solidariedade, uma cultura que respeita todos os direitos individuais, que afirma e ampara a liberdade de opinião e que se empenha em prevenir conflitos A cultura de paz busca resolver os problemas através do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis. E discutir sobre cultura de paz é discutir sobre os valores essenciais à vida democrática, valores como: igualdade, respeito aos direitos humanos, respeito à diversidade cultural, justiça, liberdade, fraternidade, tolerância, diálogo, reconciliação, solidariedade, desenvolvimento e justiça social.
A fraternidade e a mediação tornam possível a análise do conflito por meio da ótica valorativa do outro, ou seja, através da valorização dos anseios individuais dos supostos combatentes, de modo que as próprias partes envolvidas encontrem soluções adequadas para seus problemas, tornando o conflito uma situação construtiva a ser controlada. Nesse sentido, o instituto da mediação se apresenta como um importante instrumento de solução de conflitos, capaz de promover o diálogo entre as partes, superação da cultura adversarial e a consequente resolução consensual, sendo seu principal objetivo a pacificação social. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 93). Ainda de acordo com Cachapuz e Sanomya, conforme os ensinamentos de Eliane Aparecida Stahl, a mediação pode ser definida como:
[…] um sistema de negociação assistida mediante o qual as partes envolvidas em um conflito tentam resolvê-lo por si mesma, com a ajuda de um terceiro imparcial, o mediador, que atua como um condutor da sessão, ajudando as pessoas que participam da mediação a encontrar uma solução que seja satisfatória para ambas as partes (STAHL, 2000, p. 19 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 93).
Assim sendo, de acordo com as autoras acima, compete ao mediador conduzir as partes em conflito, por meio de um viés dialógico, à busca da melhor solução, sem que nenhum dos envolvidos se considere perdedor, fortalecendo a alteridade processual, pois que
[…] a qualidade direcional do processo depende da aptidão técnica do mediador para diminuir as resistências entre os mediandos, promovendo uma comunicação cooperativa e, via de consequência, aumentando as possibilidades de cumprimento dos compromissos assumidos ao longo do processo da mediação. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p.94)
Neste viés, a mediação representa um meio alternativo de solução de conflitos já que se insere em um modelo consensual onde não existe a característica de conflituosidade do modelo tradicional de jurisdição, permitindo a preservação e o aperfeiçoamento das relações sociais. Em meio às demais vantagens decorrentes do uso da mediação, merecem destaque: a resolução de disputas de forma construtiva, o fortalecimento das relações sociais, a promoção de relacionamentos cooperativos, a exploração de estratégias que possam prevenir ou resolver futuras controvérsias, a humanização das disputas, entre outras. (AZEVEDO, 2009, p. 20 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p.94)
Além do mais, cabe lembrar que esse mecanismo não pode ser visto como uma “solução milagrosa” para enfrentar os problemas do Poder Judiciário, mas, como um esforço capaz de complementar os mecanismos judiciais já existentes, tendo como finalidade a busca pelo bem comum e a concretização do acesso à justiça. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 94). Nesse sentido, Cachapuz e Sanomya, ao citar os ensinamentos de Fernanda Tartuce, destacam:
[…] a mediação enquanto método que concebe o mediando como protagonista de suas próprias decisões e responsável por seu próprio destino, está fundamentada na dignidade humana em seu sentido mais amplo. Afinal, permite que o indivíduo decida os rumos da controvérsia, resgate sua responsabilidade e protagonize uma saída consensual para o conflito, o que o inclui como importante ator na configuração da solução da lide, valorizando sua percepção e considerando seu senso de justiça (TARTUCE, 2008, p. 211 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012).
Por fim, para que a sociedade possa utilizar e se beneficiar dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos é forçoso “o desenvolvimento de uma nova cultura social que possibilite a compreensão e avaliação desses métodos, de forma a obter soluções mais rápidas, menos onerosas e efetivas” (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 95). Compreende-se, assim, a necessidade de superação desses obstáculos que impedem a pacificação social e o acesso efetivo à ordem jurídica através da utilização adequada do instituto, inspirado por um direito humanizado e que se aproxime das necessidades cotidianas, da alteridade, e da superação da cultura adversarial, ou seja, o Direito Fraterno.
3. MEDIAÇÃO E DIREITO FRATERNO EM PROL DA CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DIREITO À PRESERVAÇÃO DOS MEDIANDOS NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
A discussão sobre o direito fraterno é recente. Elígio Resta, seu principal teórico, inicia esta reflexão a partir dos anos 80. O Direito Fraterno propõe uma nova e velha análise dos rumos, dos limites e das possibilidades do sistema do direito na sociedade atual. Todo o pensamento apresentado por Resta tem um grande valor científico, o qual se configura em uma abordagem científica do e para o direito atual. (VIAL, 2006, p. 121)
O tema pretende pensar o Direito sob a luz da fraternidade e desmistificar a visão distorcida a respeito do Direito Fraterno e ressaltar sua importância dentro do contexto jurídico. Pois, sabe-se que o Princípio da Fraternidade e Direito não se excluem, pelo contrário, se completam com objetivo de reconhecer a igualdade entre todos os seres humanos objetivando a dignidade da pessoa humana. Importa consignar que o “Direito e a Fraternidade possuem um caráter de complementaridade que atravessa séculos e que possivelmente, se perpetuará no tempo, como forma de realização da vida em comunidade e da harmonização social”.  (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p. 97-98)
Dessa maneira, discute-se a relação entre o Direito e a fraternidade, assim como a visão reducionista de que a natureza do direito é sempre conflituosa e que a fraternidade é sempre harmônica. Apresenta-se, assim, uma grande proposta tanto na esfera política quanto jurídica, qual seja, a afirmação de uma articulação dialética dos três princípios integrantes da tríade da Revolução Francesa, superando a lógica meramente igualitária e liberal para se caminhar em busca de um reconhecimento efetivo e eficaz da alteridade, da diversidade e da reciprocidade por meio da mediação e da fraternidade. (BRUNET, s.d., p.14)
Ressalta-se ainda que, atualmente é importante questionar sobre a necessidade de se falar em fraternidade. Entretanto, a capacidade de relacionar fraternidade à teoria e a prática da política se perdeu. Pois, estudar as relações entre fraternidade e política nunca foi considerado um tema atrativo. A liberdade e a igualdade aparecem com frequência em debates, mas a fraternidade sempre resta esquecida. Compreende-se que a Fraternidade é considerada um Princípio Revolucionário por ter sido um dos ideais das Revoluções Francesa que passou a existir com o objetivo de combater as desigualdades sociais, proteger os direitos da pessoa humana para que tenham condições de alcançar o bem-estar social. (SALMEIRÃO, 2013, s.p.) Bastini e Pellenz (2015) ao citar Aquini (2008, p.138-139), diz que este autor defende que a Fraternidade é um valor jurídico fundamental, pois
[…] a fraternidade compromete o homem a agir de forma que não haja cisão entre os seus direitos e os seus deveres, capacitando-o a promover soluções de efetivação de Direitos Fundamentais de forma que, não, necessariamente, dependam, todas, da ação da autoridade pública, seja ela local, nacional ou internacional. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.99)
Bastiani e Pellenz (2015, p.100) em seu texto diz que malgrado o fato de a fraternidade estar sedimentada como categoria jurídica, amplamente aceita na sociedade atual, é necessário que práticas fraternas sejam socializadas, sob pena de se tornar, novamente, um princípio esquecido. É imprescindível retomar as condições de fraternidade, que há muito tempo está inserida no corpo social, a fim de viabilizar a cooperação mútua entre as pessoas, em momento de crise onde o individualismo e o egoísmo estão cada vez mais presentes. Nessa ótica, não é excesso dizer que a forma como se vive hoje é insustentável e que a fraternidade pode ser uma alternativa para estas questões. Portanto, de acordo com autoras acima, ao citar Britto (2007, p.98), este defende que:
[…] a fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pela conciliação possível entre os extremos da Liberdade, de um lado, e, de outro, da Igualdade. A comprovação de que, também nos domínios do Direito e da Política, a virtude está sempre no meio (medius in virtus). Com a plena compreensão, todavia, de que não se chega à unidade sem antes passar pelas dualidades. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.100)
Nesse ínterim, Salmeirão (2013) diz que a ideia de fraternidade estabelece que o homem, enquanto animal político, faz uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal estabelece com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência, em sua natureza, não há nada que hierarquicamente os diferencie, pois são considerados como irmãos, ou seja, fraternos.
A Revolução Francesa e seus partícipes, que produziram a tríade “liberdade, igualdade e fraternidade” (princípios universais de caráter político), aos poucos expurgaram a fraternidade de seu contexto voltando os olhos somente para as duas primeiras. É nesse sentido que a fraternidade passou a ser encarada como “a parente pobre, a prima do interior” conforme define Resta, assumindo aos poucos, outras conotações: religiosa, consanguínea, ou então na forma de “ligações sectárias, no âmbito de organizações secretas […]” (GHISLENE; SPENGLER, 2011, p. 8). Não obstante, no tripé da revolução, em que pese o caso da fraternidade aparecer em primeiro plano, juntamente e ao lado da igualdade e da liberdade, a fraternidade não ocupou papel importante na cultura política do Ocidente. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.97)
Então, o enfoque dado à Fraternidade era no sentido da educação, do assistencialismo e também outros elementos, e não adquiriu status jurídico nem político, permanecendo como uma ideologia erguida na bandeira da Revolução Francesa como motivação religiosa, apenas. Porém,
[…] não se pode deixar de mencionar que a Fraternidade é considerado um Princípio Revolucionário por ter sido um ideal norteador das Revoluções que marcaram a história da Humanidade, tanto na Europa quanto na América, possibilitando a proteção e o respeito aos direitos fundamentais e ao combate, em definitivo, aos abusos e aos excessos cometidos pelo Estado. (BASTANI; PELLENZ, 2015, p.97-98)
O termo fraternidade, sabe-se, não é contemporâneo. Destinou-se, contudo, maior atenção a ela a partir da Revolução Francesa, como mencionado anteriormente. O Direito Fraterno, Segundo Sandra Vial (2016), prioriza pela análise transdisciplinar dos fenômenos sociais. A transdisciplinaridade significa, antes de tudo, transgredir e, ao mesmo tempo, integrar […]. Desse modo, a partir do entendimento de Pozzoli e Hurtado, entende-se que o Direito Fraterno seria:
Uma modalidade do direito que ainda não está consolidado como paradigma e/ou teoria, mas como abordagem. Abordagem esta que propõe uma nova forma de análise do direito atual, mas do que isto, propõe uma reestruturação de todas as políticas públicas que pretendam uma inclusão universal. (POZZOLI; HURTADO, 2011, p.287)
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em sua redação no artigo 1º, destaca a fraternidade com o sentido de responsabilidade, pois menciona: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Em 1948, a Fraternidade passou a ser elemento chave com a universalização do princípio e mais adiante, com o fenômeno da constitucionalização, o princípio da Fraternidade passou a ser observado na ordem jurídica interna dos países. Segundo Bastani e Pellenz (2015, p.98), é muito importante a referida data a nível internacional, porque a fraternidade adquiriu um novo status em um novo momento histórico, pós-guerra. Logo,
[…] a presença da Fraternidade, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, é bastante relevante, quando refere-se à obrigação que todas as pessoas têm de “agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” e no tocante às Constituições, como no caso da brasileira, que invoca já no seu preâmbulo ações neste sentido. (BASTANI; PELLENZ, 2015, p.98)
A fraternidade é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, bem como a dignidade da pessoa humana. A fraternidade possui um papel determinante na sociedade, e seu caráter de fundamentalidade pode ser observado na Constituição Cidadã. Por estar logo no início do texto constitucional, a Fraternidade já desvela sua importância em âmbito jurídico e social. É possível dizer que a fraternidade e a dignidade da pessoa humana são princípios que se complementam, no sentido de efetivar os direitos dos cidadãos. A fraternidade implica uma relação de igualdade e liberdade, do homem para com seu semelhante e do homem com o Estado. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.97-98)
Dessarte, não se localiza a fraternidade somente na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, este princípio pode ser observado também na redação do Preâmbulo da Constituição Federal brasileira, de 5 de outubro de 1988, que expressa:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 1988).
Aqui, mostra o texto integral, materializado em persuasiva invocação, mesmo que a fraternidade não se localiza na forma tradicional de um Direito posto no ordenamento jurídico, ela se encontra no Preâmbulo da Carta Constitucional, configurando a proposta de se construir uma sociedade fraterna.
O direito fraterno é desvinculado da obsessão da identidade e de espaços territoriais, que determinam quem é cidadão e quem não o é. Ele não se fundamenta em um “ethnos” que inclui e exclui, mas em uma comunidade, na qual as pessoas compartilham sem diferenças, porque respeitam todas as diferenças. Por isso, é um direito inclusivo, razão pela qual faz sentido estudar o paradoxo da inclusão/exclusão, fundamentado no compartilhar, no cosmopolitismo. Por não se basear em etnocentrismos, o Direito Fraterno é cosmopolita. Ele tutela e vale para todos não porque pertencem a um grupo, a um território ou a uma classificação, mas porque são seres humanos. Nesse ponto, estabelece-se a grande diferença entre “ser humano e ter humanidade”. Ter humanidade é respeitar o outro e ser humano é partilhar da mesma natureza: a humanidade. Esta é uma atitude que requer responsabilidade e comprometimento. (STURZA; ROCHA, s.d, p.7)
O Direito Fraterno não é violento, não crê em uma violência legítima, a qual confere ao Estado o poder de ser violento; destitui o código do amigo-inimigo, pelo qual o inimigo deve ser afastado, coercitivamente; acredita em uma jurisdição mínima, apostando em formas menos violentas de solução de conflitos, como por exemplo: a mediação. O Direito Fraterno busca resgatar um certo iluminismo, centrado na fraternidade. Esta nova proposta, na verdade, aponta para um novo rumo, uma nova possibilidade de integração entre povos e nações, integração esta fundamentada no cosmopolitismo, onde as necessidades vitais são suprimidas pelo pacto jurado conjuntamente. (STURZA; ROCHA, s.d, p.8)
Salmeirão (2013) alude que o Direito Fraterno causa muita confusão entre os membros da sociedade, onde alguns consideram uma escolha de como se deve viver em sociedade: uns com um preceito religioso, e outros, em sua minoria como um princípio jurídico que além de servir como base para a criação das regras constitucionais deve estar presente obrigatoriamente em todos os atos do operador do Direito, da vida em comunidade e do Administrador Público. Ressaltou ainda, em seu texto, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, que a Fraternidade alcançou a universalidade necessária passando a ser entendida como uma regra em face da necessidade de efetivar os Direitos Humanos e não apenas como um referencial de boa conduta e doutrina religiosa.
Por fim, o Direito Fraterno indica novos horizontes, novas perspectivas e colabora para a elaboração de propostas conjuntas para a solução de problemas referentes ao binômio inclusão/exclusão. Mais do que isso, o Direito Fraterno propõe mediação e pactuação constantes para a sociedade atual. Como se pode compreender a fraternidade é uma nova possibilidade de integração entre os povos e nações, fundamentada no cosmopolitismo, em que as necessidades vitais serão suprimidas pela amizade / afetividade. Destaca-se ainda que, o direito fraterno é direcionado para a proteção e segurança da dignidade da pessoa humana, onde contribui para construção de uma cidadania responsável na busca de uma sociedade sem exclusão de qualquer classe social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que, com a análise da Revolução Francesa como alicerce a fraternidade, na busca da paz social referente a solução de conflito, a partir das mudanças nos relacionamentos nos moldes consensuais de realização das lides, o que predispõe a estabilidade nas relações, emergindo como uma opção a mediação aliada ao direito fraterno. Portanto, o estudo buscar o aprofundamento da mediação e o direito fraterno para superação do conflito, numa evolução, dando a sociedade brasileira, hoje pautada numa cultura de contra-ataque, suporte e desenvolvimento na valoração dos direitos humanos entre os envolvidos na lide, na construção de relações de confiança. Na caracterização de um fundamento onde há o acordo baseado no direito fraterno, e não em políticas com sanções jurisdicionais e sociais coercitivas. Assim, a concepção de mediação visa gerar uma alternativa em que as partes envolvidas possam buscar uma forma de crescimento a comunicação dentro das vertentes democráticas, para a configuração das práticas consensuais na sociedade.
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Notas:
[1] Tradução: A conjuntura dos irmãos não é contra o pai, ou um soberano, uma atração, um inimigo, mas é para uma convivência compartilhada, livre de soberania e inimizade. É jurado, mas não é uma conspiração.
[2] Cosmopolita é a pessoa que se julga cidadão do mundo inteiro, ou que considera sua pátria o mundo. É uma palavra com origem no termo grego kosmopolítes, em que kosmós significa “mundo” e polites significa “cidadão”. Disponível em: . Acesso em 16 set. 2017.
Autores:
Natalia Dutra Mendes é bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC.
Sangella Furtado Teixeira é Bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC; Especialista Lato Sensu em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes UCAM (2018); Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: sangellafurtado@hotmail.com.
Tauã Lima Verdan Rangel é Doutor (2015-2018) e Mestre (2013-2015) em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense; Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015); Coordenador do Grupo de Pesquisa “Direito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Direitos em Pauta” – vinculado ao Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (MULTIVIX) – Unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES; Coordenador do Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito, Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” – vinculado à Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Bom Jesus do Itabapoana-RJ; Professor Universitário, Pesquisador e Autor de diversos artigos e ensaios na área do Direito.
Fonte: Jornal Jurid – 06 de Fevereiro de 2019
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